Se ainda fosse vivo, Tancredo Neves estaria chegando hoje aos 100 anos de idade. Nascido em São João Del Rei (MG) em 4 de março de 1910, ele foi um típico representante da tradição moderadora da política mineira, caracterizando-se pela tendência à conciliação e à negociação, sem prejuízo da consistência de suas posições liberais.
Advogado, ingressou na política pelo PP (Partido Progressista), pelo qual foi eleito vereador em São João del Rei em 1935, cargo que exerceu até 1937.
Já pelo PSD (Partido Social Democrático), elegeu-se deputado estadual (1947-1950) e deputado federal (1951-1953). Passou a atuar no ministério a partir de 25 de junho de 1953, exercendo os cargos de ministro da Justiça e Negócios Interiores até o suicídio do presidente Getúlio Vargas.
Em 1954, foi eleito novamente deputado federal, cargo que ocupou por um ano. Foi diretor do Banco de Crédito Real de Minas Gerais (1955) e da Carteira de Redescontos do Banco do Brasil (1956-1958). De 1958 a 1960, assumiu a Secretaria de Finanças do Estado de Minas Gerais (1958-1960).
Foi nomeado primeiro-ministro com a instauração do regime parlamentarista, logo após a renúncia do presidente Jânio Quadros. Ocupou o cargo de 1961 e 1962. No ano seguinte, voltou a ser eleito deputado federal.
Foi um dos líderes do MDB (Movimendo Democrático Brasileiro), partido criado em 27 de outubro de 1965, a partir do AI-2 (Ato Institucional 2), que decretou a extinção de todos os partidos políticos até então existentes e instituiu o bipartidarismo. Foi reeleito deputado federal seguidas vezes entre 1963 e 1979.
Após a volta do pluripartidarismo, Tancredo foi senador pelo MDB em 1978 e fundou o PP (Partido Popular), partido pelo qual continuou exercendo o mandato até 1982. No ano seguinte, ingressou no PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) e foi eleito governador de Minas Gerais (1983-1984).
Neste período político, houve grande agitação política em prol do movimento Diretas Já, numa ação popular que mobilizou os jovens e pregava as eleições diretas para presidente. Porém, com a derrota da emenda Dante de Oliveira, que instituía as eleições diretas para presidente da República em 1984, Tancredo foi o nome escolhido para representar uma coligação de partidos de oposição reunidos na Aliança Democrática.
Com o senador José Sarney como vice, foi eleito presidente pelo Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, representando o partido da oposição e derrotando Paulo Maluf, de direita. Na véspera de tomar a posse, em 14 de março de 1985, o político foi internado em estado grave no hospital e o vice-presidente José Sarney assumiu o cargo. Morreu no dia 21 de abril de 1985, em São Paulo.
De acordo com depoimentos apurados pela imprensa, Tancredo vinha sentindo dores no abdome desde o dia 8. No dia 13, como o sofrimento aumentava, o doutor Renault recomendou que o presidente se operasse, mas ele se recusou. Tancredo teria pedido a seu médico que o sustentasse até o momento da posse, para que o processo da sucessão não fosse interrompido por qualquer acidente que propiciasse questionamentos políticos ou impasses de interpretação técnica. A seu pedido, também, os jornalistas teriam sido informados por Renault de que o presidente sofria meramente de uma faringite.
Ainda na madrugada do dia 15, enquanto o paciente era mantido isolado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital de Base, o meio político se mobilizava para tentar solucionar o impasse surgido a respeito de quem assumiria a presidência em exercício: o vice-presidente José Sarney ou o presidente da Câmara, Ulisses Guimarães. Para os grupos mais radicais do PMDB, o deputado peemedebista seria a segunda pessoa na escala hierárquica da sucessão, mas o próprio Ulisses entendeu que vetar a posse de Sarney, ignorando sua condição de companheiro de chapa de Tancredo, seria o mesmo que invalidar a legitimidade da eleição verificada no Colégio Eleitoral. O argumento do presidente nacional do PMDB, escudado na opinião de constitucionalistas qualificados, acabou derrubando todas as dúvidas e versões levantadas.
Todo o trajeto pendiam das janelas das casas bandeiras brasileiras com tarjas negras.
Na capital da República, após um cortejo fúnebre que durou quatro horas, seguido por imensa multidão, o corpo de Tancredo foi velado e exposto à visitação pública no Palácio do Planalto, onde o arcebispo da cidade, dom José Freire Falcão, oficiou outra missa de corpo presente.
No dia 23 o corpo de Tancredo Neves chegou ao aeroporto de Pampulha, em Belo Horizonte, para receber no Palácio da Liberdade as homenagens de uma multidão calculada em torno de 1,8 milhão de pessoas. As cenas registradas na capital mineira foram impressionantes. Tumultos na praça da Liberdade, provocados pela ansiedade popular em romper os cordões de isolamento, resultaram em quatro mortos e 271 feridos.
Finalmente, no dia seguinte, 24 de abril, na presença de 50 mil pessoas, incluindo cinco presidentes estrangeiros e representantes de governos de vários países, Tancredo Neves foi enterrado com honras militares no cemitério da Igreja de São Francisco, em São João del Rei, sua terra natal. Homem profundamente religioso, Tancredo era ministro vitalício-jubilado da venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis, na qual ingressou aos 16 anos. No cemitério discursaram o presidente José Sarney e o deputado Ulisses Guimarães. O presidente da Câmara emocionou os presentes ao afirmar: "Tancredo Neves, você foi duas vezes mais do que eleito, plebiscitado. Vivo, plebiscitado pela esperança para governar esta grande nação. Morto, plebiscitado pelas lágrimas, pelas preces, pela amargura e pelo pranto dos governantes que restaram neste grande país." O discurso de Sarney foi condensado na frase: "Seu sonho será o nosso sonho."