Inúmeras vezes o Congresso Nacional tentou votar a reforma política. Nunca com sucesso. O insucesso, contudo, não é derrota da tese de que ela é fundamental para aprimorar as instituições do País. Ao contrário, fortalece a percepção de que devemos buscar meios e modos para manter a mobilização do meio político em relação às mudanças essenciais para melhorar as nossas leis eleitorais.
Relator da matéria na Câmara dos Deputados, Henrique Fontana fez um belíssimo trabalho, assim como o deputado Ronaldo Caiado já o havia feito na legislatura passada. Senadores envolvidos na discussão do tema na Câmara Alta também trouxeram grande contribuição durante a tramitação da proposta naquela Casa. Não lograram êxito por causa do grande número de resistências internas.
Especificamente localizadas nas alterações do sistema eleitoral, as dificuldades da reforma política se dão porque essa matéria não está relacionada diretamente à órbita dos partidos políticos, mas ao foco individual de como cada parlamentar avalia a própria experiência no processo eleitoral segundo as regras em vigor. Interesses pessoais sobrepõem-se ao aperfeiçoamento das regras das eleições.
Apesar dos problemas enfrentados, a reforma política não pode parar. Se esses debates não têm sequência, hão de ter consequência. E uma delas é trazer o povo para dentro dessa discussão, repisando conceitos que já estão inscritos na vida pública brasileira desde a redemocratização.
A Constituição federal de 1988 prevê a democracia representativa, na qual o povo delega a deputados e senadores o poder para elaborar leis e auxiliar o Poder Executivo na administração do Estado. Mas também incluiu instrumentos propiciadores da democracia direta.
Eis o parágrafo único do artigo 1.º: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".
A democracia direta é exercida por três mecanismos. O primeiro é a iniciativa popular, pela qual o povo pode apresentar petição deflagradora de processo legislativo e que foi instrumento já utilizado com sucesso recentemente. O segundo é o plebiscito, que, com o perdão da obviedade, é a consulta prévia sobre lei aprovada pelo Congresso ou ato administrativo praticado pelo Executivo. O terceiro e último é o referendo, consulta posterior ao povo sobre aplicação de lei já aprovada pelo Legislativo.
O plebiscito foi usado para definir a forma e o regime de governo, ainda no ano de 1993. E o referendo tornou-se palavra comum quando se tratou da questão do desarmamento.
Se há dificuldade da reforma política ser realizada pelos representantes do povo, a solução constitucional é caminhar para a democracia direta com os mecanismos constitucionais já previstos desde 1988. O povo há de ser consultado, por meio de plebiscito, a respeito do sistema eleitoral que deseja: se distrital puro ou misto, se lista fechada ou aberta, se voto proporcional ou majoritário (distritão), se financiamento público ou privado. Tudo isso, a meu ver, poderia ser feito na eleição de 2014, quando se elegem presidente da República, governadores, senadores, deputados federais e estaduais. Ou seja, acrescentar-se-ia a consulta plebiscitária sobre o sistema eleitoral e sobre a forma de financiamento das campanhas.
O deputado federal Miro Teixeira, com quem conversei várias vezes sobre reforma política, já fala nesse tema da consulta plebiscitária ou referendo há bastante tempo no plenário da Câmara. Reitero a proposta de fazer a consulta popular no ano de 2014 porque isso elevaria o tom programático das discussões durante a campanha. Deputados e senadores haveriam de discuti-la, elucidá-la, propagá-la, esclarecê-la durante o horário eleitoral e nos encontros diretos com os eleitores. Com isso, não se poderia invocar que o povo ignora os vários sistemas. Os eleitores seriam esclarecidos durante o programa eleitoral e nas discussões sobre as diferentes opiniões e divergentes análises de candidatos e estudiosos. Neste tópico, é claro que a sociedade civil organizada e a mídia especializada colaborariam com grande entusiasmo para ampliar a força desse importante debate, cujo fim último é fortalecer a democracia em nosso país.
A consulta é prévia, portanto, plebiscitária. O que o plebiscito definir será levado ao Congresso eleito, que deverá tornar viável a reforma - pelo menos o sistema eleitoral e o financiamento público - para ser aplicado na eleição de 2018. Ou seja, tem a vantagem de não aprovar de imediato algo a ser aplicado logo na eleição seguinte. Circunstância, aliás, que tem sido fator impeditivo da reforma política.
Não se argumente que há muitos votos a serem dados em 2014, já que o povo está cada vez mais habituado a usar a urna eletrônica e tem demonstrado intimidade com esse meio rápido e eficiente de votar. É certo que na eleição municipal o número de votos é menor (somente para prefeito e vereador), mas a temática da disputa municipal sempre dirá respeito à localidade, não a temas nacionais.
Temas nacionais devem ser discutidos e pensados numa eleição nacional. Misturá-los poderia provocar efeito perverso para as questões municipais e para a análise adequada das mudanças nas regras eleitorais. Penso que essa é a maneira de resgatar a reforma política como parte da formação de um convencimento amplo para o bem da sociedade.
Haveria ainda interação do Parlamento com o povo, ficando enaltecida a posição da Casa de Leis, já que é ela que convoca o plebiscito e, ao final, elabora a norma que regulamenta a vontade popular. Dessa forma, não se poderia falar de insucesso, mas de uma histórica participação popular num processo que diz respeito a todos os brasileiros.
VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA
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